Por Martha Medeiros.

Dos cinco sentidos, a visão para mim, sempre foi soberana. Eu poderia perder tudo: audição, olfato, tato e paladar, desde que mantivesse a função dos olhos. O problema é que, nos dias que correm, já não sabemos direito que função é essa.

Há muita oferta para nossas retinas. Prédios são construídos de um dia para o outro: retira-se o tapume e shazam. Cartazes publicitários cobrem a cidade. Gente à beça na rua, passando umas pelas outras sem se ver. Por outro canto, lojas, shoppings, camelôs. A poluição sonora também provoca uma certa miopia: barulho demais embaralha a vista. Dentro de casa, dezenas de canais de televisão. Toda espécie de revista. Jornais. Sites na internet. O telefone toca e do outro lado há gente oferecendo cartões de crédito e planos de saúde. Se saio de carro sou abordada no sinal por distribuidores de folhetos imobiliários e de anúncios de galeterias. Quando eu quero uma coisa só, sempre há um leque de opções para escolher e um monte de gente para consultar.

Mas eu quero uma coisa só.

Quero foco. Quero restrição, como diz Wim Wenders no imperdível documentário Janela da alma. Se você acredita que ainda é possível enxergar uma vida diferente desta que nos empurram goela abaixo, não deixe de assistir, caso volte a entrar em cartaz.

O documentário mostra depoimentos de pessoas que têm algum problema de visão ou que estão totalmente cegas. É um ensaio sobre a cegueira (aliás, José Saramargo está entre os depoentes), mas não só da cegueira concreta, e sim da cegueira abstrata, a cegueira da mente e dos sentimentos.

Que mundo é esse que nos oferta tanta coisa, mas não oferece nada do que precisamos realmente? Que maravilha de sociedade é essa que nos entope de porcaria na televisão, que nos dá a ilusão de termos tantos amigos, que sugere termos tanto conforto e informação, quando na verdade a quantidade é virtual e o vazio é imenso? A palavra simplicidade foi a primeira a desaparecer do nosso campo de visão. Saiu o simples, entrou o pobre. Pobre de espírito, pobre de humor, pobre de sensibilidade, pobre de educação. Podemos até estar enxergando direito, mas nossos pensamentos e atitudes andam desfocados.

Sinto como se estivéssemos sofrendo um sequestro relâmpago. Viramos reféns desta doença de ter que consumir desenfreadamente, de só dizer sim para o que é comercial e está na moda. Janela da alma nada mais é do que uma tentativa de resgate, do nosso resgate. Se você não se emocionar, saia do cinema direto para o oftalmologista.