Por Caroline Marquesini.

Há dias em que a terra está seca, esturricada. E não nasce flor. A estrada parece sem rumo e o horizonte sem cor. Você pensa em desistir…

Há dias em que a menina do leite não grita na porta… e quando você procura saber, descobre que ela não tem mais leite pra vender e nem para voz pra cantar. É que ela era paisagem. E a paisagem anda triste, sem árvore, pássaro ou cor.

Mas uma hora, o céu vira algodoal em dia de safra: sem bicudo ou algo que impeça aquilo que é bom de florescer. Chove. Devagar, margaridas nascem. E os cardeais começam a cantar a ponto de acordar qualquer pessoa do pesadelo, de um tempo em que a estrada ficou cinza e o céu virou poeira.

 Lá, perto da cerca, estará você, plantando um caminho bonito na terra que era puro deserto. Porque viver é assim. É mudar de paisagem, acreditar que tudo virou pedra até ver o pasto, a esperança brotar: só que desta vez, dentro dos olhos. Porque como eu, você será paisagem.

E como cacto do deserto mais árido, a gente amadurece e muda de cor. Sabe, moça, você talvez não seja como a menina comunicativa do leite que me tirava da cama. Mas você também é paisagem.

Plante margaridas, mesmo se a estrada tiver seca. E quando os dias nascerem áridos demais, lembre- se: cactos também florescem. Geram frutos discretos, mas doces como manhãs de primavera. Deixe-os crescer, exibirem-se pelo caminho… pela passagem que foi sua. Para que, um dia, alguém cheio de medo possa atravessar a ponte e sentir que alguém bacana por ali passou.

E se não der para plantar roseiras, graxas ou margaridas? Espalhe pequenas sementes de girassóis. Se regados, eles nascem até nas terras mais áridas: aquelas com uma cerca de arame e uma casinha de barro, mas com uma mulher que ainda abre a janela quebrada porque consegue sonhar.

Eu sei: nos dias de estiagem falta água até para regar o girassol, o horizonte que você luta para enxergar quando abre a cortina. Só não espere que o céu prepare a chuva. Devagar, comece empurrando a porta até pintar toda a estrada de amarelo risonho para que, lá no início da cerca, também consigam atravessar o jardim que você plantou.

Pois como eu, você, todos seremos paisagens de um mesmo retrovisor. Mas sejamos das veredas que quando ultrapassadas, formarão girassóis que nascem no pasto e sobrevivem à seca… em pleno sol de primavera.

Caroline Marchesini é jornalista, Mestre em Linguagem, Cultura e Discurso. Meio idealista, apaixonada por histórias e “estórias”: pela arte de contar a vida. E o mais importante: mãe de Henrique e de todos os bichanos que aparecem na porta de casa.