Por Cynthia de Almeida.

Eu me arrependo. De ter aceitado o primeiro salário oferecido em uma negociação. De ter pedido demissão. De não ter pedido demissão. De ter deixado um projeto especial por outro que, afinal, nem era tão incrível. De ter trabalhado demais, em esforçado de menos. Feito inimizades, querido agradar a muita gente. De ter perdido a oportunidade de arriscar mais, voltar atrás e começar tudo de novo.

Não sou uma exceção. Em geral, uma carreira pode ser medida, como quase tudo na vida, pelo número de arrependimentos que colecionamos ao longo dos anos. Desconfie de quem diz que não se arrepende de nada. Isso não significa que essa pessoa nunca falhou, mas que ela, simplesmente, não imagina como as coisas poderiam acontecer de uma forma melhor se agisse de outro jeito. Quem dá uma definição precisa sobre o arrependimento é uma estudiosa do assunto, a jornalista e escritora americana Kathryn Schulz: “Arrepender-se é pensar que a atual situação seria melhor se você tivesse tomado uma atitude diferente no passado.” Arrepender-se, portanto, está longe de ser ruim. É um exercício de autoconhecimento, uma análise pelo retrovisor que mostra com clareza que muitas vezes estivemos erradas. E que, se hoje somos capazes de enxergar isso, com novas lentes, sob outras circunstâncias, não é porque antes éramos estúpidas. Fizemos o que entendíamos, o que achávamos que era certo. Como diz o filósofo e biólogo Humberto Maturana, o erro não existe a não ser no passado. No momento em que uma ação é praticada, mesmo que seja ilegal ou imoral, é considerada “certa” por quem executa. Podemos até reconhecer o equívoco minutos ou segundos depois, mas ele já está lá, no passado.

A esta altura, você pode estar se perguntando qual seria a vantagem de admitir e remoer erros. Ou de sofrer com situações passadas sobre as quais não tem mais controle. Pois é exatamente essa a tese de Schulz: reconhecer o arrependimento não significa sofrer por ele. Em seu livro Por que erramos? O lado positivo de assumir o erro (Larousse), a autora alerta para a armadilha da autocomiseração e punição gerada pelo arrependimento.  Na maioria das vezes, é bom lembrar, não temos a menor pista de que estamos erradas… até que seja tarde demais. E a razão para isso é cultural. Aprendemos muito cedo, na escola, a associar “erro” a preguiça, irresponsabilidade ou burrice e “acerto” a inteligência, força e dedicação.

Contaram pra gente que o melhor jeito de vencer na vida é não comete erros. Confundimos cometer erros com sermos “erradas”. Perdemos assim a coragem de fazer e arriscar e, igualmente importante, de recuar e reconhecer quando alguma coisa não dá certo. Deixamo-nos envolver por uma falsa aura de invencibilidade que provoca o que Schulz chama de “cegueira do equívoco”. Perdemos a oportunidade de conhecer e reconhecer opiniões e posições distintas das nossas, e de aprender com elas. Da mesma forma míope, julgamos e de certo modo sentimos um prazer secreto com o erro do outro. “Ufa, podia ter sido eu!” Advinha o que surge da escuridão. Mais erros! Ou, pior, paralisação e insegurança para dar passos que seriam essenciais na carreira.

Da próxima vez que você se arrepender de alguma coisa e sentir-se mal com isso, trate de se perdoar e fazer as pazes com as suas memórias. E lembre-se deste insight poderoso de Kathryn Schulz: “Arrependimento não apenas nos lembra do que fizemos mal, mas de que podemos fazer melhor”.