Por Mariana Fernandes e Jorge Coelho Soares.

Um aspecto do simbolismo da borboleta se fundamenta nas suas metamorfoses: a crisálida é o ovo que contém a potencialidade do ser e a borboleta que sai dele é um símbolo de ressurreição. É ainda, se preferir,  a saída do túmulo. Em outras palavras, os estágios desse inseto, ou seja, lagarta, crisálida e borboleta significam, respectivamente, vida, morte e ressurreição, representando, dessa maneira, a metamorfose cristã. Portanto, está associado a esse fenômeno natural de transformações sucessivas, que conduzem ao estado de maturidade ideal, no funeral simbólico, o destino póstumo do falecido que alcançou o sucesso, após ter percorrido um caminho difícil, rochoso, para um estado de plenitude, na sua qualidade de novo Osíris. A borboleta adquire uma importante dimensão semântica, tornando-se o símbolo da vida que está constantemente se renovando, um sinal do próximo renascimento de morte.

Um simbolismo dessa ordem é utilizado no mito de Psique, que é representada com asas de borboleta, assim como nos afrescos de Pompeia, em que aparece como uma menininha alada, semelhante a uma borboleta. No dicionário etimológico da língua portuguesa, as palavras psico, psiqu (e) são elementos de composição, do grego psych, de psyche, que significa “alento, sopro de vida, alma”, que já era documentado em vocábulos formados no próprio grego e em muitos outros introduzidos na linguagem científica internacional, a partir do século XIX. O termo Psicologia significa “ciência da natureza, funções e fenômenos da alma ou da mente humanas”, em uma definição desde 1844.

Em obras de arte, Psique é representada como uma jovem com asas de borboleta, junto com Cupido, nas diferentes situações descritas pela fábula. Psique  era uma jovem tão linda que Vênus passou a ter ciúmes dela. A deusa deu ordens a Cupido para induzir Psique a apaixonar-se por alguma criatura de má aparência, porém o próprio Cupido tornou-se seu amante. Cupido a pôs num palácio, mas somente a visitava na escuridão e a proibiu de tentar vê-lo. Movidas pelo ciúme, as irmãs de Psique disseram-lhe que ele era um monstro e iria devorá-la. Certa noite, Psique pegou uma lamparina e iluminou o quarto para ver Cupido adormecido, mas deixou cair sobre Cupido uma gota do óleo da lamparina e o despertou. Por causa disso, foi abandonada. Sozinha e cheia de remorsos, Psique procurou o amante por toda a terra, e várias tarefas difíceis lhe foram impostas por Vênus para que pudesse voltar a vê-lo. Por um meio ou por outro, todas as tarefas foram executadas, exceto a última, que consistia em descer ao Hades e trazer o cofre da beleza usado por Perséfone. Psique havia praticamente conseguido realizar a proeza, quando abriu o cofre que continha não a beleza, e sim um sono mortal que a dominou. Entretanto, Júpiter pressionado por Cupido, consentiu seu casamento com a amante, e Psique subiu ao céu. A obra Psyché ranimée par le baiser de L’Amour, de Antonio Canova (1787), exposta no Museu do Louvre, Paris, exemplifica essa passagem da mitologia grega.

Portanto, o nome grego para borboleta é psyque, e a mesma palavra significa alma. Não há ilustração da imortalidade da alma tão impressionante e bela como a borboleta. Depois de uma vida rastejante e mesquinha como lagarta, passa pela fase de pupa, somente depois de estender as asas brilhantes do túmulo no qual tinha ficado, flutua na brisa do dia e torna-se um dos mais belos e delicados aspectos da primavera. Psique, então, é a alma humana purificada pelos sofrimentos e infortúnios, está preparada, assim, para o desfrute da verdadeira felicidade.

Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 18 (3), 631-641 – http://dx.doi.org/10.1590/1809-9823.2015.14236