Por Fernanda D’Umbra.

No teatro, só vale o que está acontecendo naquele instante. Se você errou uma frase do texto há dois segundos, não importa; você tem que seguir a peça. Se foi aplaudida em cena aberta, no meio do espetáculo – coisa que todo artista adora –, também não pode se apegar. O que passou já era.

Depois de 30 anos de profissão, levei um pouco disso para a vida cotidiana. Nada me interessa neste momento, apenas escrever esta coluna. Tenho uma agenda de papel (sim, sou uma senhora) que consulto no começo do dia para ver o que me espera. Sei que, se eu fizer uma coisa de cada vez, tudo vai dar certo. É o que me permite ter cinco profissões.

Na aula de dança, trabalho com esta informação: tornar o momento a única coisa constante na vida. Se estou dançando agora, não quero saber o que farei daqui a três horas, não importa. E o que fazemos com a ansiedade? Curtimos. Ela chega, agita nossa cabeça, faz uma bagunça aqui, outra ali, mas ela não manda em nada e é bom que saiba disso. Quem manda aqui sou eu. Ela está de passagem.

Um amigo roteirista adora uma brincadeira que eu faço. Sempre que o futuro nos assombra com alguma questão, digo que “problemas posteriores serão resolvidos posteriormente”. Rimos e vamos tomar um café. Nada vai macular nossa criação naquela hora. Estamos alertas ao tempo presente e não é um futuro próximo que vai estragar tudo.

Combinar uma viagem é tão divertido quanto realizá-la. E a hora de embarcar vai chegar, não temos que pensar nisso o tempo todo. O que interessa é pesquisar o trajeto. O que vai acontecer quando estivermos lá é outra história. Nunca me preparei para o futuro porque sei que ele não me diz respeito. Ele, inclusive, não existe.
Pagar as contas, lavar as roupas, fazer comida, tudo isso é agora. Eu não penso que vou comer quando estou cozinhando. Apenas sinto o cheiro, provo, corto, admiro as cores. Meu paladar não vai tomar tudo para ele. Ele que espere. Sua hora vai chegar.

Se você abandona a ideia de futuro, consegue fazer um milhão de coisas numa sequência deliciosa que leva a uma concentração mágica. E suas possibilidades ganham formas infinitas porque você está calma para agir.

Costumo dizer aos atores quando dirijo um espetáculo: “Faça a cena com a mesma concentração que você gostaria que um neurocirurgião operasse sua cabeça”. Esteja aqui, este é o único lugar que você pode ocupar no mundo. Não se desperdice com ansiedades desnecessárias. E, se a situação for difícil, mantenha os olhos abertos para ela. O medo é importante, não fuja dele.

Hoje em dia é raro encontrar alguém na rua usando um relógio de pulso. Quase todos veem as horas no celular. E acabam vendo outras coisas, sem olhar nada direito, preocupados com algo que talvez nem aconteça. Isso é cruel, limita nossa existência e nos deixa presos ao vazio, o que é terrível. Então, se você for dar um beijo, não faça mais nada. Não se perca em tempos que não existem. Dê-se ao luxo do instante.

As horas passam, não precisamos nos preocupar com elas. E o momento em que olhamos para o relógio também é sagrado. Sua vida inteira está acontecendo ali. Que maravilha! Não é à toa que tem este nome: presente.