Por Valéria Midena.
No Brasil, não há mulher que já não tenha lido ou ouvido as inúmeras regras que ela deveria seguir a partir de seus 40 e poucos anos. Em especial sobre sua aparência, máximas se propagam à exaustão.
Cabelos são um tema recorrente:
“Depois de certa idade, toda mulher tem que clarear os cabelos. Sabe, as marcas, os vincos… cabelos mais claros suavizam a expressão, dão um aspecto mais jovem.”
“Uma coisa é homem com cabelos grisalhos: dá um certo ar de maturidade, fica até charmoso… mas mulher com cabelos grisalhos? Imagine, envelhece muito, parece desleixo.”
“À medida que aumenta sua idade, a mulher tem que diminuir o comprimento dos cabelos. Cabelos compridos só funcionam para as jovens.”
E quanto ao rosto?
“Sair de rosto lavado aos 20, 30 anos, é uma coisa… mas, depois dos 40, maquiagem é gênero de primeira necessidade — não pode ficar sem”.
“Como assim, ainda não usa Botox? Todo mundo usa! Vai ficar com aquelas linhas na testa?”
“Sobrancelha grossa só funciona até uns 30. Depois, tem que ir afinando… levanta o olhar, dá mais leveza.”
Sobre o vestir, também muitas observações:
“Biquíni? Só se estiver com tudo em cima… e ainda assim o maiô é sempre mais adequado.”
“Regata é um problema. Melhor não arriscar.”
“Saia tem que ser na altura dos joelhos, senão vão pensar que você está querendo parecer mais jovem.”
A origem dessas pseudo-verdades sobre o envelhecimento sempre me intrigou, tanto quanto o fato de que, invariavelmente, elas têm a mulher como objeto. Alguém já leu ou ouviu algo sobre como devem ser os cabelos de um homem após os 40 anos? Nem mesmo a constatação de que, a partir dessa idade, metade dos homens sequer tem cabelos, parece ser motivo de tanta atenção…Também nunca li nada sobre a bermuda correta ou o modelo de camiseta a ser evitado por um homem mais velho.
Com os valores da sociedade ocidental contemporânea vinculados a um ideal estético de beleza (que pressupõe perfeição) e a potência sexual, sucesso e fama, vivemos hoje a hipervalorização da juventude, que parece ser sinônimo de virtude. Como decorrência, a velhice passou a ser vista como defeito, já que representa a negação desses ideais. Velhice está associada a feiúra, decadência e improdutividade. Mesmo palavras como ‘velhice’ ou ‘velho’(a), para se referir as pessoas com idade mais avançada, foram deixando de ser utilizadas, pois teriam uma conotação negativa (!!!). ‘Idoso’, ‘melhor idade’, ‘terceira idade’ e outros eufemismos de gosto duvidoso passaram a ser adotados.
Junte-se a isso uma cultura baseada em um modelo de dominação (do masculino sobre o feminino) e uma indústria que, interdisciplinarmente, se estrutura nessa mesma hipervalorização da juventude e na massificação do conceito de beleza para gerar lucros, e tem-se a explicação para a propagação automática das ‘verdades’ que reproduzi acima.
Basta uma leitura mais atenta dessas tais ‘regras’ para perceber a lógica nelas implícita: como toda mulher tem a obrigação de ser bela (= esteticamente perfeita), e como beleza é atributo da juventude, cabe às mulheres mais velhas esconder as marcas e os sinais de sua velhice (tentando, sempre, parecer mais jovens).
Oi?
Acreditar que existe um modelo de beleza é não aceitar as diferenças naturalmente presentes nos seres humanos. Mais, é não perceber que são justamente essas diferenças que conferem, a cada um de nós, uma beleza particular, única, qualquer que seja nossa idade.
Falando especificamente da maturidade, a crença num padrão estético ideal de envelhecimento é ainda mais absurda. É justamente na maturidade que a mulher está mais apropriada da sua beleza , ela já viveu muitas coisas: cortou o cabelo, deixou crescer, tingiu, enrolou, alisou, usou todos os comprimentos de saia, inúmeros modelos de biquíni, pegou pesado na maquiagem, defendeu a cara lavada… Ela também ficou insegura, testou um produto recomendado pela amiga, um procedimento indicado pelo dermatologista, ficou em dúvida em frente ao espelho, experimentou, gostou, não gostou… e fez suas escolhas.
Sim, a grande maioria das mulheres, quando chega aos 40 anos, sabe exatamente como e quando se sente bonita. Ela conhece sua beleza particular e única, e se reconhece por meio dela. Se reconhece em suas sobrancelhas, sejam elas grossas ou finas… Se reconhece em seus jeans, ou em suas saias longas, ou em seus saltos altos. Se reconhece na brincadeira de variar a cor e o comprimento dos cabelos, ou no conforto de mantê-los sempre iguais.
Se reconhece no seu modo de ser e de se mostrar ao mundo.
E aí, de repente, tudo aquilo que ela levou tantos anos para aprender e entender sobre si mesma e sobre sua beleza passa a ser confrontado por uma sociedade pautada por valores completamente distorcidos. Uma crítica subliminar começa a permear seu cotidiano e ela se sente constantemente pressionada a corresponder a um determinado modelo. Para quê? Para que a sociedade não tenha que lidar com as diferenças? Para que a indústria seja mais lucrativa?
Ao se distanciar de suas crenças, de suas escolhas e preferências, a mulher se distancia de si mesma e se coloca numa prisão. Modelos culturais não são modelos de vida; é preciso refletir sobre eles, questioná-los, confrontá-los, transgredi-los.
Claro que não é fácil! Para confrontar modelos culturais não basta apenas a consciência, é preciso colocar energia, e energia gera tensão, que gera desconforto, que gera insegurança… Mas nada é mais libertador e prazeroso do que ser e se mostrar como a gente é.
De verdade? Danem-se as regras. Homem ou mulher, cada um envelhece como quer.
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